Textos Diversos
Michael: festa ou combate interior? (Lúcia Sígolo)
Lucia Sígolo
Participar com intenção nas festas que se apresentam ao logo ano pode ser muito reconfortante e satisfatório. Além do aconchego junto á família e aos amigos , da oportunidade de presentear, das brincadeiras ao ar livre, dos sorrisos das crianças e até das iguarias servidas, elas contribuem para dar um sentido mais profundo á vida e trazer paz a todos enquanto indivíduos ou no contexto familiar .
Apesar das mudanças da natureza ser sutis no nosso país, com um pouco de atenção podemos perceber as diversas tonalidades do céu ao longo do ano, o momento exuberante do florescer das árvores, a diferença nos trinados dos pássaros ao longo dos meses e assim por diante.
Ligando-nos a esses elementos, conectamo-nos com a terra e poderemos percebê-la como um organismo vivo, participando do inspirar e expirar cósmico. As festas do ano refletem essa respiração. Ao participar das festas anuais saímos da dimensão do espaço para entrar na dimensão do tempo. Ganhamos dessa maneira uma chave para compreender o ser humano, o divino e a relação entre eles.
Micael, festejando em 29 de Setembro, corresponde a uma grande inspiração da terra. Nessa época, os seres cósmicos que haviam se afastado da terra durante o outono e inverno começam novamente a se reaproximar. Michael é quem precede esta aproximação. Sua chegada preparada a Terra e o coração dos homens para a chegada do Cristo no Natal.
Por tradições seculares, regionais ou familiares sabemos como comemorar as festa de páscoa, de São João e do Natal. Para essas festas já foram estabelecidos rituais com cores,formas e sabores típicos para cada uma. A partir da nossa vivência do passado, não nos é difícil criar outros rituais sem perder a essência dos mesmos, que sejam mais adequados ao nosso modo de vida atual.
Porém, para festa , não há indicações de forma, cores ou sabores. Espera- se apenas que cada um festeje interiormente, sem alarde nem manifestações exteriores .
Recorrendo a algumas imagens de Micael poderemos encontrar elementos para refletir sobre i que poderemos festejar e o porquê desta indicação. Nas representações da idade média, Micael aparece como valoroso, guerreiro subjugando o dragão com sua espada de ferro que segura em uma mão, tendo na outra a balança.
Micael não mata o dragão, subjuga-o. Através da coragem, o ferro da espada coloca o mal aonde ele deve ficar; dominado. A balança, além de símbolo da justiça, traz também o símbolo do equilíbrio.
Se pararmos para refletir sobre nossas vidas tão atribuladas e com tantos afazeres, podemos nos perguntar o que precisamos equilibrar. Será que conseguimos separar no nosso dia-a-dia o que é fundamental do que é supérfluo? O que não pode esperar do que entra em segundo lugar?
Nos contos de fadas, o herói tem a possibilidade de desistir antes de enfrentar o dragão. Em liberdade, ele escolhe lutar e pede ajuda divina para enfrentar o perigo, purificando assim seu coração antes da batalha.
Micael, arcanjo silencioso, sugere aos homens que reconheçam o atributo da liberdade. Por essa razão, não nos dá indicações através de inspirações ou instituições sobre isto ou aquilo. Deixa-nos livres para decidirmos.
Somos livres para escolher se vamos aceitar a luta!
É só através da liberdade que poderemos chegar ao verdadeiro amor- tarefa coletiva primordial da humanidade. Aqui se revela a dimensão social da atitude micaélica.
Micael nos incita ter coragem para lutarmos contra o dragão, lembrando-nos daquilo que é necessário para sermos bem sucedidos. Para enfrentá-los, precisamos saber onde encontrá-lo. Podemos reconhecer o dragão no que se encontra fora de nós: nas guerras, na corrupção, na injustiça social, no terrorismo. Mas podemos também reconhecê-lo na inveja, na preguiça, na vaidade, na cobiça que mora em cada um. Cabe, pois a cada ser humano cultivar a coragem e a confiança no que o futuro possa nos trazer e, tal qual herói de nossas estórias, purificar seu coração.
É essa a atuação que se espera dos homens nos tempos atuais. Cada qual pode, dentro de sua liberdade, sem que ninguém lhe diga nem o que nem como, atuar no mundo. Esta atuação pode possibilitar que Micael se fortaleça e consiga subjugar o dragão na Terra e no interior de si mesmo.
Há quem diga que a festa de Micael é o momento para realizarmos um balanço daquilo que fizermos no ano que decorreu. Mas, como no canto, é preciso inspirar corretamente para chegar ao final da frase musical sem desafinar.
Ao criarmos uma imaginação micaélica estaremos, dessa forma, criando dentro de nós a possibilidade de que ocorra o embate. Assim, teremos motivos para comemorar durante os anos.
Micael é uma festa a ser comemorada sem alarde, estampido ou barulheira. Momento de introspecção e a confiança no futuro e no próximo possam ser cultivados.
Leituras:
Schmidt-Brabant, Manfred – Pensamentos sobre Michael e Forças do Dragão – Apostila Sociedade Antroposófica do Brasil.
Scheven, Elelyn – O caminho de Cristo – Inhambu Editora
Instituto Mainumby – refletir sobre Micael – Gráfica Palas Atenas
(extraído da Revista Nós época de Micael 2005 – EWRS)