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As Origens Mitológicas de Micael (Wesley Aragão de Moraes)

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Wesley Aragão de Moraes

No dia 29 de setembro, comemora-Se o Dia de Micael, ou dia de São Miguel. Tal data tem proximidade com o equinócio da primavera, no hemisfério sul (outono, no hemisfério norte). É uma data que contem um significado especial, embora não seja tão reconhecida com a Páscoa, São João ou o Natal.
O dia de Micael é comemorado após uma intensa queda de meteoritos no céu, fenômeno que se repete todos os anos. O ferro meteórico que entra na Terra é um símbolo marciano da divindade guerreira, pois este metal é arquetipicamente associado a Marte, Senhor da Guerra.
Micael é assim um mito derivado do mito de Marte, mas cristianizado e valoriza do em seu aspecto solar, isto é, no que é vinculado ao Deus Sol.
Um mito não é apenas uma historinha cheia de magia. Um mito é muito, muito mais do que isto. Um mito tem múltiplos significados e uma profundidade especial, porque contém arquétipos. Um arquétipo é aquilo que expressa os modelos originais dos quais as coisas e os seres são construídos. O mito de Micael é antigo e, corno todo mito, passou por vários processos de reformulação ao longo dos vários contextos culturais que atravessou. Como todo mito, ele se refere aos arquétipos dos quais são construídos os seres e as coisas do mundo. Ele enfatiza o arquétipo do Guerreiro. O Guerreiro cósmico. Arquetípico está expresso no Mito do Micael. O Mito do Guerreiro, ou da Divindade
Guerreira que preserva a Ordem Cósmica, lutando contra as forças do Caos, é encontrado em todas as sociedades antigas. Era parte das religiões arcaicas. Ele atravessou eras e foi inserido na tradição cristã. Micael é o Guerreiro Cósmico que luta contra as potências do Caos com a finalidade de preservar o Logos, que é a Ordem Crística do mundo. O Logos é o Cristo Cósmico que ordena o Universo. O Logos salva o universo do Caos e, dentro do contexto da Alma Humana, ele salva o Homem da loucura do Caos. O Macrocosmo equivale ao Microcosmo Humano. A loucura do Caos dentro do Homem significa a perda da consciência humana e da sua dignidade de “Anthropos” (aquele que se ergue, no grego). O indivíduo caotizado, possuído pelas forças do Caos, perde sua condição humana e se bestializa: se transforma em besta, ou em máquina, ou em alguma coisa aberrante, destituída de um Logos interno (destituído, portanto do “Sol interior” que dá a humanidade ao indivíduo e a sua aptidão para a compaixão e para o amor). É com isto que Micael luta, fora, no Cosmo e dentro, no homem. Tais forças que ele busca dominar, todavia, não são externas ao contexto da criação universal, mas fazem parte importante dela. A função do Guerreiro do Logos é a de inserir as forças do Caos num processo de equilíbrio em relação ao Cosmo e nunca ele deverá ou poderá destruir tais forças. Sua função é a de redirecioná-las reciclá-las, reaproveitá-las para um fim útil.
Entre os hindus, o deus Indra, e mais: tarde Krishna, perfazem a figura do Guerreiro Solar, na guerra entre os deuses (devas) os asuras, senhores do Caos. Entre os antigos: persas zoroástricos, o Caos primordial era representado pelo Touro Sagrado e pelas legiões de demônios noturnos que serviam as anti-deus Ahriman. O deus-sol dos persas Ahura Mazda, pede ao seu guereiro Mitra que percorra todo o Universo combatendo Touro do Caos e dominando os seres ahrimânicos - só assim o equilíbrio cósmico poderia ser mantido. Mitra é o Guerreiro Cósmico arquétipo de todos os guerreiros e cavaleiro do Bem. Representavam-no montado sobre um Touro selvagem, ferindo-o com uma espada. Segundo o mito, dos despojos do Touro Sagrado morto por Mitra, Ahura Mazda, Sol, o Logos, constrói todo o Universo. Mitra combate o Animal da Terra, que ressurge com força total após cada verão e tem que ser dominado pelas forças cósmicas – naturais que devem surgir a cada outono, com a chuva de meteoritos.
No microcosmo humano, Mitra é a força interna que desperta a vontade combativa, movida pela clara consciência amorosa, a qual sobrepuja a covardia e a inconsciência espirituais. O “touro interno” são as forças do nosso metabolismo, as quais se agissem por si, nos levariam a um estado de inconsciência. Tais forças metab5licas têm que ser transformadas em vontade consciente, em energia direcionada.
Entre os Hebreus, Micael é um dos quatro guardiões do Tono de Javé os. É o “metratom” do esoterismo hebraico da Cabalah, que expressa a imagem do Homem Perfeito, tal como o nome hebraico “Mical” indica (“Quem é como Deus?”). Ele é o Ser de Fogo que guia Moisés através do deserto. Este Micael hebraico foi cristianizado no “São Miguel”, e também figurado “São Jorge matador de dragão”, sincretizando o mito cósmico à lenda histórica de um herói cristão. São Miguel é o protetor dos cavaleiros medievais, os quais são a ele consagrados. Na Antroposofía, Micael é reinserido no seu significado de entidade arquetípica solar que, tanto no Macrocosmo, quanto no Microcosmo Humano, equilibra a Ordem com o Caos. Micael é o Mitra cristianizado.
Torna-se difícil a compreensão mais profunda do significado de Micael a partir de uma forma de pensar somente racional. É necessário que recuperemos um senso de linguagem mitológica, preservando o nosso senso crítico de homens e de mulheres contemporâneos. O modo racional de ver o mundo fragmenta-o em partes e em direcionamentos críticos e práticos. Um modo mitológico de ver o mundo, algo parecido com os sonhos e o modo de ver o mundo das crianças, insere-nos numa Totalidade existencial que é revigorante para o nosso Espírito e que sensibiliza a nossa Alma para nuances sutis da realidade. Micael personifica a coragem e a disposição para tornar viável um ideal crístico do mundo, superior ao próprio mundo real que vemos ao nosso redor. Se este “mundo real” é violento, sujo, ruim, corrupto, é porque as forças anti-humanas ahrimâinicas o dominam. Cabe a cada homem tornar-se um “Guerreiro do Bom Combate”, conforme a expressão de São Paulo, e agir, no seu próprio campo, em prol de uma realidade mais plena de amor, de consciência e de dignidade humana. Há um Micael dentro de cada um de nós, que deveria atuar neste sentido.
 “E virá o tempo em que se erguerá Micael, o poderoso príncipe, que se conserva junto aos filhos do teu povo. E será um tempo de tal angustia, como jamais terá havido, desde que existe o mundo dos gentios, até o tempo vindouro. Nesse tempo, será salvo teu povo, todos que se encontrarem inscritos no livro das esferas. E muitos dos que dormem presos ao solo poeirento da Terra, haverão de despertar: uns para a vida eterna, outros para o opróbrio e o escárnio de ciclo terrestre. Resplandecerão os Mestre da Iniciação, como luzeiros do firmamento, e os que ensinam a muitos os da sabedoria – eles reluzirão como astros, pelos ciclos do eterno porvir”

(Wesley Aragão de Moraes – médico antroposófico e mestre em Ciência da Religião pela UFJF)

(extraído do Informativo do Jardim Michaelis do RJ)